Salve pessoas velhas de todas as idades, sabe quem decidiu ser moderninho e ver dorama? O velho aqui. O clima de nosso país anda tão pesado que eu queria uma fuga e durante uma gravação de podcast a Guta, que participa conosco, falou das tais novelas sul-coreanas. Logo depois disso uma amiga falou a mesma coisa e a informação ficou guardada comigo. Com o episódio do “Velho Tá No Cast” sobre “Round 6/Squid Game” fiquei com vontade de ver um pouco mais da vida cotidiana na Coréia do Sul. Essa vontade já tinha vindo com “Parasita”, mas a Netflix ainda não tinha me sugerido nada, o que mudou depois de eu ver “Round 6”. Com a ideia na cabeça faltava apenas qual seria o primeiro seriado escolhido. Recebi, e aceitei, a dica de ver “Romance is a bonus book”. Então vamos à crítica, sem spoilers.
Devemos julgar um livro pela capa?
Antes de falar deste dorama, vou colar a sinopse do Netflix:
“No dia de seu casamento, Kang Dan-I (Lee Na-Young) se esconde no carro de Cha Eun-Ho (Lee Jong-Suk). Após seu divórcio, ela limpa em segredo a casa de Eun-Ho enquanto tenta reiniciar sua carreira.”
A história toda gira ao redor da dupla Dan-I e Eun-Ho, amigos de infância que estão passando por momentos bem diferentes. Ela acaba de se divorciar, não recebe pensão do marido e ainda tem que bancar sozinha os estudos da filha que está em outro país. Por isso ela começa a limpar a casa do amigo, sem que ele saiba, enquanto participa de dezenas de entrevistas de emprego sem sucesso algum (a vida é dura para as mães que tentam retornar ao mercado de trabalho). Ela era uma publicitária de sucesso, sendo inclusive premiada, porém os anos fora do mercado eliminam qualquer chance e por isso ela toma a decisão de mentir no curriculum, indicando ser menos qualificada e com menos estudo, só para ter uma chance de emprego, justamente na editora Gyeroo, onde trabalha o amigo. Já ele, é um escritor de sucesso, além de ser editor e sócio fundador da Editora Gyeoroo, levando uma vida de solteirão convicto, partindo um ou outro coração no processo.
Além da dupla de protagonistas, temos outros dois personagens bem importantes para a trama, já que formarão um “quadrado amoroso”, são eles: Song Hae-Rin (Jung Eugene) que também trabalha como editora na mesma empresa (sim, a trama é quase inteira focada dentro da Gyeoroo) e é apaixonada por Eun-Ho; e Ji Seo-Jun (Wi Ha-Joon) um pintor especializado em fazer a arte das capas de livros, mas de uma editora concorrente.
Fora eles outros personagens importantes para a trama são:
– Kim Jae-Min (Kim Tae-Woo), sócio fundador e presidente da Editora Gyeoroo. Um figuraça que aparentemente só se importa com as vendas dos livros;
– Go Yu-Seon (Kim Yu-Mi), sócia fundadora e diretora da editora. A “bruxa” que os funcionários têm medo e se dedica totalmente ao trabalho;
– Seo Yeong-A (Kim Sun-Young), responsável pelo marketing e sócia da fundadora da editora. Ela começa a série com o Bong Ji-Hong (Jo Han-Chu), que também é editor e sócio fundador da editora.
– Oh Ji-Yul (Park Gyu-Young), funcionária nova que entra na editora junto com a Dan-I e com o Hong Dong-Min (Oh Eu-Sik).
Todo este grupo de personagens é muito bem trabalhado, fazendo com que você acabe se importando por cada um deles, não só com os protagonistas. Acho esta uma das forças da série, já que algumas vezes a lentidão no desenvolvimento da trama principal poderia te deixar aborrecido. E eu nem achei nada tão lento, como já vi comentarem, em minha visão o ritmo foi o ideal para você comprar o peso das transformações que estavam ocorrendo com os personagens e seus sentimentos. Algumas vezes eu percebia uma química surgindo entre os personagens antes que estes identificassem, tudo feito de maneira natural.
Gostei da maneira que a série introduz uns alguns poucos mistérios que te deixam curioso, mas não são usados como isca para te segurar na série.
Não conheço muito, na verdade não conheço nada da cultura sul-coreana, então a maneira que eles se relacionam entre eles me pareceu muito diferente. Desde os pedidos de namoro sem nunca ter dado um mísero beijo na pessoa até algumas brincadeiras e liberdades entre eles. Este ponto talvez tenha causado o desconforto que eu tive em alguns momentos na relação entre a Dan-I e o Eun-Ho. Em várias situações achava que ele poderia estar sendo abusivo com ela e criando uma nova dependência igual à que ela tinha com o marido, após ter a filha. Falando na filha, também estranhei a ausência dela por estudar fora tão jovem, mas novamente pode ser uma diferença de cultura e não uma falha da série.
Ola, muito prazer dorama!
Vale reforçar que foi a minha experiência com uma série sul-coreana é praticamente zero, então além da diferença de cultura tive outra surpresa: a abordagem dos temas sociais que afetam a Coréia do Sul. Já vi alguns filmes sul-coreanos e entendo que estes temas sempre estão presentes, mas este é apenas o segundo seriado sul-coreano que vejo, sendo que o primeiro foi “Squid Game” (inclusive temos VTNCast sobre ele, ouça clicando aqui), que obviamente ataca toda a situação atual do país, criticando tudo que é possível em praticamente todos os aspectos sócio-econômicos. O que eu não imaginava era ver parte dos problemas sociais aparecerem em uma “comédia romântica”. Toda a jornada da Dan-I para voltar a trabalhar é um tapa na cara. O divórcio da responsável pelo marketing, Young-A, e como isso impacta de maneira diferente ela e o ex-marido Ji-Hong na relação deles com o filho e o trabalho. Temos a menina rica e mimada, Ji-Yul, que além de ter que sair de sua bolha, se relacionando com pessoas de classes diferentes, precisa fugir da mãe super protetora tentando fazer com que ela se case com um marido rico. Fora o drama do presidente Jae-Min para tentar balancear os lucros das vendas de livros com a vontade dos editores de lançarem livros que não vendam tão bem, mas que são culturalmente importante. Aliás, toda essa mensagem sobre a morte do mercado editorial para livros é bem relevante. Enfim, diversos temas são tocados e não esperava vê-los tocados de maneira tão relevante e cuidadosa.
Queria destacar dois temas que a série toca, relacionados às dificuldades das mulheres com o mercado de trabalho: maternidade e divórcio. Ambos temas recebem um foco especial, não só com a personagem principal como também com a Young-A. O roteiro mostra bem a carga extra e “invisível” (entre aspas, porque só é invisível para quem não quer ver) que as mães carregam. Tanto a Young-A, quanto o Ji-Hong trabalham na Gyeroo com papeis de mesmo nível de responsabilidade, porém em momento algum vemos a carreira dele, ou mesmo um mísero dia de trabalho, serem afetados por conta de problemas com o filho. Tudo sobra para ela. Assim como sobra para Dan-I criar sozinha sua filha, sem nem ajuda financeira do pai. Sou pai de um bebê, que ainda não fez 2 anos, e gosto muito de todo conteúdo que vejo neste tema para que eu me policie e faça uma análise se tenho dividido a carga com a minha esposa. Vendo a série lembro da quantidade de vezes que vou junto nas consultas do bebê e constantemente sou o único homem nos locais. E quanto mais velho o bebê vai ficando, mais eu vejo esse padrão: mães sozinhas. Bom, voltando ao seriado, me parecem que estes temas são colocados de maneira natural, mas com bastante força na trama. Ponto positivo.
Nas entrelinhas
Gostei bastante da minha primeira, ou segunda (“Squid game” conta?), experiência vendo um dorama. Gostei de ver as diferenças culturais nas relações pessoais, sejam de amizade ou amorosa (beijos, cadê?). A história é bem simples, mas não deixa de falar de temas importantes e que podem até incomodar algumas pessoas e o roteiro sustenta a história ao mesmo tempo que evolui os personagens. Diferente dos seriados estadunidenses, ou brasileiros, que são necessários diversas temporadas para que os personagens coadjuvantes deixem de ser apenas acessórios dos protagonistas, aqui em 16 capítulos todos eles ganham um passado, um presente e um futuro que você fica curioso para descobrir qual será. As atuações estão boas, apesar de eu conhecer pouco do gênero, e nada me saiu estranho ou fora de tom. A trilha sonora tem uma ou outra música marcante que entraram na minha lista. Confesso que achei quase todo mundo tão bonito que algumas vezes parecia que não era uma editora, mas sim uma agência de moda. Fora isso me incomodou um pouco a dúvida do Eun-Ho estar ou não abusando da vulnerabilidade da Dan-I, porém a série mesmo mostra que ela é grandinha e sabe se virar, então vou acreditar que está tudo bem e seguir com o sentimento de leveza que a série traz. Por isso a nota é:
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